O Malabarismo Interno: Psicanálise, Carreira e Maternidade na Mulher Contemporânea
- Dani Bonachela
- 7 de mai.
- 3 min de leitura

A imagem da mulher moderna frequentemente evoca a figura de uma equilibrista habilidosa, malabarista de pratos delicados — carreira, maternidade, relacionamentos e autocuidado — sob a pressão constante de não deixar nenhum cair. A sociedade aplaude a “supermulher”, mas, por trás dos sorrisos e da aparente eficiência, residem conflitos internos profundos, sentimentos avassaladores de culpa e uma exaustão que transcende o cansaço físico. A psicanálise nos oferece um olhar singular para desvendar esse malabarismo interno que acompanha a tentativa de conciliar filhos e carreira.
O Peso do Ideal e a Voz do Superego
Vivemos imersas em um ideal cultural que dita que a mulher deve ser, ao mesmo tempo, uma mãe presente e dedicada e uma profissional bem-sucedida e realizada. Esse ideal, muitas vezes inatingível, é internalizado e se transforma em uma voz crítica — o que a psicanálise chama de Superego. Ele cobra perfeição em todas as frentes, gerando uma sensação constante de inadequação, insuficiência e culpa, não importa o quanto a mulher se esforce. Qualquer falha percebida — seja um prazo perdido no trabalho ou a ausência em um evento escolar — é amplificada por essa instância psíquica, resultando em sofrimento.
A Ambivalência Inerente e a Culpa Inevitável
A psicanálise reconhece a ambivalência como parte fundamental da condição humana. É natural e esperado que a mulher sinta, simultaneamente, um profundo amor pelos filhos e o desejo de realização profissional; que anseie por tempo de qualidade com a família e, ao mesmo tempo, pela satisfação que o trabalho proporciona. No entanto, a dificuldade em aceitar essa ambivalência, alimentada pelo ideal de perfeição, transforma esses sentimentos conflitantes em culpa.
Como destacado em discussões sobre o tema, as mães frequentemente lamentam os conflitos na tentativa de conciliar tantas demandas. A culpa surge não apenas por ações concretas, mas também pelo simples desejo de ter uma vida para além da maternidade. É como se o desejo de realização pessoal fosse uma traição ao papel materno idealizado.
A Mãe “Suficientemente Boa” e o Bem-Estar Infantil
O psicanalista Donald Winnicott introduziu o conceito revolucionário de “mãe suficientemente boa”. Ele argumentava que o bebê não precisa de uma mãe perfeita, onipresente e que satisfaça imediatamente todas as suas necessidades. Pelo contrário, pequenas falhas e frustrações são essenciais para que a criança desenvolva sua capacidade de lidar com a realidade, sua resiliência e sua individualidade. Uma mãe excessivamente presente ou ansiosa pode, paradoxalmente, dificultar esse processo.
Isso desconstrói a ideia de que dedicação exclusiva e presença constante são sinônimos de boa maternidade. Estar sempre com os filhos não significa que é o melhor para os filhos. Uma mãe que se permite ter seus próprios interesses, que cuida da sua saúde mental e que encontra satisfação em outras áreas da vida (como a carreira) tende a ser mais disponível afetivamente — mesmo que não esteja presente fisicamente 100% do tempo — e oferece um modelo mais realista e saudável para seus filhos.
Conciliação ou Integração? A Busca por um Caminho Singular
Talvez a palavra “conciliar” não seja a mais adequada, pois pressupõe uma divisão rígida entre esferas que, na vida psíquica, estão profundamente interligadas. Pode ser mais produtivo pensar em “integração” — a busca por uma forma singular e possível de articular os diferentes papéis e desejos, aceitando que haverá momentos de maior dedicação a uma área em detrimento de outra, e que isso não significa fracasso.
Não existe fórmula mágica ou uma receita de equilíbrio universal. A tentativa de seguir modelos externos ou conselhos genéricos costuma gerar ainda mais frustração. A chave está em compreender os próprios desejos, limites e a dinâmica inconsciente que permeia escolhas e sentimentos.
Como a Psicanálise Pode Ajudar?
O processo analítico oferece um espaço seguro e confidencial para:
Explorar a ambivalência – Reconhecer e acolher sentimentos contraditórios em relação à maternidade e à carreira, sem julgamento.
Desconstruir a culpa – Investigar as origens da culpa, diferenciando expectativas irreais (internas e externas) das responsabilidades genuínas.
Fortalecer a identidade – Trabalhar a sensação de fragmentação ou perda de si mesma, integrando os diferentes papéis de forma mais harmoniosa.
Negociar com o Superego – Flexibilizar as exigências internas de perfeição, construindo um ideal de “eu” mais realista e compassivo.
Fazer escolhas conscientes – Tomar decisões sobre carreira, tempo com os filhos e autocuidado que estejam mais alinhadas com os desejos autênticos e as possibilidades reais — e não apenas com pressões externas ou internas.
Lidar com as demandas da carreira e da maternidade é, inegavelmente, um desafio complexo na vida de muitas mulheres. No entanto, ao voltar o olhar para o universo interno e compreender os conflitos psíquicos subjacentes, é possível aliviar o peso da culpa e da inadequação, abrindo caminho para uma integração mais leve, autêntica e satisfatória desses papéis fundamentais.
(Este artigo tem caráter informativo e não substitui a consulta com um profissional qualificado. Se você se identifica com esses desafios e sente o peso da culpa ou da sobrecarga, considere buscar apoio psicológico ou psicanalítico.)




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